O Evangelho Segundo o Espiritismo
por ALLAN KARDEC –
tradução de José Herculano Pires
I – A Vingança
JULES OLIVIER
Paris, 1862
9 – A vingança é um dos últimos resíduos dos
costumes bárbaros, que tendem a desaparecer dentre os homens. Ela é, como o
duelo, um dos derradeiros vestígios daqueles costumes selvagens em que se
debatia a humanidade, no começo da era cristã. Por isso, a vingança é um índice
seguro do atraso dos homens que a ela se entregam, e dos Espíritos que ainda
podem inspirá-la. Portanto, meus amigos, esse sentimento jamais deve fazer
vibrar o coração de quem quer que se diga e se afirme espírita. Vingar-se é
ainda, vós o sabeis, de tal maneira contrário a este preceito do Cristo:
“Perdoai aos vossos inimigos”, que aquele que se recusa a perdoar, não somente
não é espírita, como também não é cristão.
A
vingança é um sentimento tanto mais funesto, quanto à falsidade e a vileza são
suas companheiras assíduas. Com efeito, aquele que se entrega a essa paixão
cega e fatal quase nunca se vinga às claras. Quando é o mais forte,
precipita-se como uma fera sobre o que considera seu inimigo, pois basta vê-lo
para que se inflamem a sua paixão, a sua cólera e o seu ódio. No mais das
vezes, porém, assume uma atitude hipócrita, dissimulando no mais profundo do
seu coração os maus sentimentos que o animam. Toma, então, caminhos escusos,
seguindo o inimigo na sombra, sem que este desconfie, e aguarda o momento
propício para feri-lo sem perigo. Ocultando-se, vigia-o sem cessar, prepara-lhe
cilada odiosa, e quando surge à ocasião, derrama-lhe o veneno na taça.
Se
o seu ódio não chega a esses extremos, ataca-o na sua honra e nas suas
afeições. Não recua diante da calúnia, e suas pérfidas insinuações, habilmente
espalhadas em todas as direções, vão crescendo pelo caminho. Dessa maneira,
quando o perseguido aparece nos meios atingidos pelo seu sopro envenenado,
admira-se de encontrar semblantes frios onde outrora havia rostos amigos e
bondosos; fica estupefato, quando as mãos que procuravam a sua agora se recusam
a apertá-la; enfim, sente-se aniquilado, quando os amigos mais caros e os
parentes o evitam e se esquivam dele. Ah! O covarde que se vinga dessa forma é
cem vezes mais criminoso que aquele que vai direto ao inimigo e o insulta face
a face!
Para
trás, portanto, com esses costumes selvagens! Para trás com esses hábitos de
outros tempos! Todo espírita que pretendesse ter, ainda hoje, o direito de
vingar-se, seria indigno de figurar por mais tempo na falange que tomou por
divisa o lema: Fora da caridade não há salvação. Mas não, não me
deterei em semelhante ideia, de que um membro da grande família espírita possa
jamais ceder ao impulso da vingança, mas, pelo contrário, ao do perdão.